OUTONALIDADES


O AMARELO-OUTONO TOCA-ME CÁ DENTRO.
BEIJOS ÀS FOLHAS, AGORA AO ALCANCE DA MINHA MÃO.

CENAS


Que inveja tenho daqueles que falam baixo na orelha, dos que se perdem por aí no público mostrar da sua subida felicidade, beijam, beijam muito, beijam repenicado e longo e tocam-se na ponta dos dedos como se o gesto fosse maior que os braços e as pernas e todo a envolvente do cenário, falam no entrelaçar das mãos, apertam, enrolam punhos, encostam o nó ao coração, marcam-se na tatuagem dos dedos como se uma transferência invisivel os unisse no eterno toque do amor.

O DIA DO FIM




Como será o dia em que tivermos tanto medo de sentir, de chorar, da emoção trepar por nós dentro como uma erva que domina terreno alheio, o dia de um juízo sem finalidade e que os micróbios e os ácaros serão os seres mais perto de nós, da nossa pele, do hálito amarelento das manhãs, o dia em que todos os sons serão estampidos e as mãos obscuras coisas tentaculares e obscenas no intuito do afago sereno e conciliador?

DAQUI ATÉ AÍ





TOCAR OPOSTOS



CONCILIAR VONTADES

O PIANISTA


Deixou-o, voltou-lhe costas e afastou-se. Nunca mais, pior que uma mulher ciumenta, pior que uma mulher cheia de humores, branco e negro, dia e noite, suspiros e gritos. Nunca mais lhe tocaría com a ponta dos dedos sequer, aquecê-lo no marfim amaciado pela polpa ou quando de passagem o acariciava na palma, vagarosamente, o brilho a piscar-lhe o olho... tão sedutor. Não, nunca mais sentiria a sua vibração, o seu corpo a abrir-se entre cordas puxadas pela extensão do aço e os sussurros dos pedais. Tanto namoro, tanto beijo e sempre lhe exigía mais e mais. Deixou-o, voltou-lhe as costas pela ingratidão dos sons que o apaixonavam e prendíam a um mundo feito de dois. Agora quería sentir outras coisas, outros toques, outros pianos dedilhados ao coração.

MATA HARI


Toquei vida. Amores, perdeu-me o amor, um só. Que agarrei a ambas mãos. Toquei perigos, no infinitamente picante da aventura. Toquei homens, soldados e inimigos. Toquei danças. Toquei nús, por dentro e na pele do corpo. Toquei riscos e não soube evitá-los, talvez os merecesse... Por isso fiz do aço prata nas balas que mataram os meus pecados. Afinal, eu só quería viver, só quería que me amassem.

TEMPESTADES


Depois de ele a amar, costumava envolver-se entre lençóis a encostar os segredos do amor mais ao corpo, a sentir o algodão embebido daqueles cheiros húmidos e intensos que a fazíam vibrar e sentir-se única. Não dormía, deixava o olhar vaguear para dentro de si a reviver todos os carinhos que o toque surpresa lhe tinha despertado. Eram mundos novos, precisava de os navegar lenta, conhecer-lhe as margens, fazer-se às ondas como se fazía às engelhas dos lençóis a derramaram pelo chão tempestades de coisa nova por cada vez que ele a amava

PINOS


Sonhos na palma das mãos. Desafiar sentidos. Ultrapassar abismos. Inventar risos. Tocar o mundo ao contrário.

AS LINHAS


Manejo linhas invisiveis, impossíveis, fios de tempo, fios de seda, linhas que me costuram a vontade, linhas que delimitam caminhos e me alinham para não perder rumos na linha do horizonte, linhas que marco e se calejam nas palmas da linha da vida.

DESENHAR HISTÓRIAS


Faz um desenho para mim. Daqueles com muitas flores, muitos caminhos estreitinhos, árvores, rios cheios de SS que dão de beber à terra e se evaporam e mandam chuva para se tornarem rios de novo.
Faz um desenho de um homem. A calcorrear esses caminhos à procura de uma mulher. E depois desenha a mulher a colher flores para dar ao homem.
E agora já os podes pôr juntos, a seguirem os caminhos estreitinhos até uma árvore frondosa onde se hão-de amar.

NAS TUAS MÃOS EU SOU




É aqui que me confio, que me deixo ir de olhos fechados sem temores, sem dúvidas, sem arrependimentos, sem a noção do justo ou incerto ou a amargura da vingança. É agora que me entrego e deixo ir, o rumo será o que surgir, improviso sentires sobre emoções, liberto fardas, a condição de mulher é género puro nas tuas mãos. É hoje que me faço deusa, que reino sobre esferas desconhecidas porque de mim eu própria me descubro através do toque do teu coração. É a sorte que lanço à minha deriva num cosmos sem cartilha dedilhado pelo saber de cor das teias invisiveis que nos enlaçam.

ALHEIO

Envolvía-se nos poemas e deixava-se ir na condição de não haver freio que a retivesse. Por vezes a tristeza dos verbos comungava-lhe a experiência própria e surpreendía-se por ser tão igual ao poeta que não conhecía. Inquiría-se sobre o toque das palavras feitas à sua medida, à sua tristeza e cultivava essa melancolia que lhe assentava tão bem à tez, ao movimento perdido das mãos no cetim da pele que a cobría. Achava-se bonita nessa nostalgia, isolava-se de grandes rasgos de emoção e dormente preferiu desconhecer as dores de um grande amor. Ficou-se pelas páginas de outros e viveu os abraços de despedida no toque da pena do poeta.

AO DENTRO DE MIM

Não sei se alguma vez chegarás. Ao topo, ao caroço, à espinha, à essência. Ao importante, digo eu. É que não basta saberes despir-me, encolheres a roupa que me cobre a pele e atingires esta. Claro que me arrepio quando as caricias se mostram desenhos coloridos no sensitivo da conversa e a palavra emudece perante o gigante do desejo... mas não basta, apenas aflora... por isso digo que se calhar nunca chegarás. , quero dizer, ao dentro de mim. Ao toque de Midas. Ao relampago que me há-de estalar e acordar verdadeiramente pelo barulho do toque...

MUNDOS PARALELOS

Se eu quiser, se eu quiser mesmo e com muita força, mesmo que tenha que cerrar os olhos e ranger os dentes, eu consigo. Consigo tocar este outro mundo do lado de lá do espelho que se faz de mim e que afinal é tão verdadeiro e tão fantasioso como este. Eu existo? Eu sou? Sou eu?

Ou sou um projecto, um esboço, um sonho, um desejo de ser para além desta casca que me cobre e se a uns enfeitiça a outros sacode pelo mármore toque com que me alcançam.

Não me sentem, não me sabem, por isso se eu quiser mesmo, mesmo, passo-me para lá, para o mundo dos sentidos em que uma única palavra toca o coração da maneira mais quente que existe: bastando ser.

ANIMAL


Toque de cheiro, toque de macho, toque de força, toque de terra, toque de sobrevivência.

VAZIAS

E estas mãos Senhora?

Para que servem? Para quem vos serve?

Mãos que repousam, que arrefecem, que se acomodam num regaço solitário, sózinhas de outras que não vos chegam, mãos paradas, mãos solteiras, mãos apertadas no sentir próprio de apenas serem mãos sem nada.

FORTE COMO A FLOR



Segura-me!

Agarra a minha mão e não me deixes tombar no esquecer, recorda-me em todos os toques que sonhaste me farías sentir, em cada palavra desejada no proferir de ser eu a escutar-te.

Segura-me!

Faz-me real no macio do morno aconchegado entre a palma presa nas linhas que desenhei para nos prender neste fio tão forte e invisivel como a flor de algodão.

TALVEZ DO TANGO





Talvez o segredo esteja no amparo que me dá o teu antebraço ao dobrar das costas, afastando-me do toque venenoso da tua boca.


Talvez seja do teu joelho roçando os meus, tentando abrir caminhos pelas minhas pernas que nas hiperboles arranjam distracção para escapar ao toque da aba do teu chapéu.


Talvez seja dos teus sapatos namorando as minhas piruetas que disparo espaços entre o teu peito e o meu decote.


Talvez não seja por nada disto e por tudo isto dancemos fingidos o Tango.

PEQUENOS SENTIRES


- Se te tocar dou-te um choque!
- Dás nada!
- Dou pois! Ora, queres ver?
- AI!
- Eu não te disse?!
- Pra que foi isso? Doeu...
- Claro que doeu pateta! Só podía!
- Podías ter-me feito de outra maneira...
- Nem pensar.
- Isso é maldade. Com o poder todo que tens bem que o podías ter feito sem o choque!
- Poder, até que podía. Mas não era o mesmo.
- Pois não, seu sádico.
- Não é isso.
- Ah não?!
- Não.
- Então?
- Assim nunca mais te esqueces de sentir.

POR FAVOR

Uma música que toque a alma...
mas ao de leve, que ela é tão frágil...

ESCOLHO


É aqui que escoo a eternidade, que escolho os diamantes e desperdiço as pedras que destas muito tive toda a vida e agora poderoso, só quero a riqueza e a essência do homem, as gemas dos momentos gloriosos de riso e as do amor e as dos amigos tantos quantos os dedos todos das duas mãos que agora separo, filtro, escapa-se-me o que me doeu...

MÃOS AMARAR



As tuas mãos têm a genuína gentileza com que passas a vida, a afagas sentida nos dias duros de mares encrespados e peixe fugidio. As tuas mãos têm a suavidade do tomar e segurar, agarrar e prender em portos e enseadas descobertos sem farol nem bussola, farejados pelo sal da intuição.
As tuas mãos salvam a noite quando ásperas se aninham nas minhas costas e me desenham oceanos com monstros, mapas de tesouro e sossegam ancoradas junto ao meu peito.

DESCOBRIR





NOVO MUNDO






NOVOS TOQUES

DA SEDA




Toco a noite. Mas nunca hei-de permitir intimidade alguma dela sobre mim, basta-me esta relação em que sabemos o nosso lugar e separamos tão nitida a fronteira da admiração da entrega. Chega. Não quero que ela me conheça para além disto, saber-me a vaguear entre sombras e sons que não se vêem é o limite da nossa proximidade, não quero que me seduza nem que me chame, por isso quando a toco faço-o aflorada, muito ligeira, na passada até e logo me escapo a outros humores que me tentaríam no contacto dos mistérios profundos que o sabor da noite tem. É que a noite tem o toque da seda.

O TOQUE DO AMOR

Amaram-se. Deixaram-se ficar parados num tempo em que tudo se escoa para o coração, em que o silêncio impõe respeito. Respeitaram-se. Ele encaixou o seu corpo no dela e cobriu-a com a sua pele, assim não teríam frio e o silêncio calar-se ía pela imposição das linhas que se tocam quando se ama.