O VAGABUNDO


A Lua descobriu-se e ele lembrou-se. Não vagamente, com pedaços por unir, ou outros sentidos em falta. Recordou-se inteiramente de todas as palavras, dos murmurios, do cheiro, da respiração contida junto ao ouvido.
O que mais o faz sorrir é o corte da Lua. Está igual à daquela noite. Igual ao debruçar da mulher sobre si, as mãos a tocarem a linha do pescoço como a Lua agora roça as suas pontas no azul fundo do céu.
Aquilo não é um céu, é ele, ainda e sempre ele abraçado ao toque da despedida, do beijo molhado de chupão, na dor mordida dos lábios quentes, a pele contra a pele, a pele e a pele.
A Lua é feita de pele de beijos, hoje lembrou-se do seu roçagar...

REDOMA





Bela, belissíma, uma quase mulher endeusada. Distante, longissímo, num quase pedestal desvendada. Triste, miserabilissímo, que ninguém lhe tocava.


Lembram-na deslumbrante, altiva mas o que mais recordam é o frio que transpirava.

FRAGMENTAÇÕES


Estilhaços do sentir.
Dissolvências da memória.
Partículas do toque.
Perdição do eu.

NA MINHA MÃO


Hei-de descobrir a chave do que me aprisiona, destas horas anãs que me roubam espaço e sufocam, dos dias corridos sem atingir lugar no podium e das tristezas das noites sem fim.
Sei que um dia chego lá, lá onde o tempo mora e domina, hei-se subir essa montanha e fazê-la minha, ao feitio da minha mão, ao jeito do meu apertar.
Só espero não chegar atrasada.

PINOS


Tudo o que é permitido a imaginação fazer.
Tudo o que é imaginado no ser.
Tudo o que é concretizado no contrário.
Tudo o que o mundo é pelas mãos da infância.

O TOQUE CONCRETO


Às vezes é preciso o TOCAR da dor para se sentir que é verdade.

DORME (AGORA)



Ficou-lhe o tique: De quando em vez leva a palma da mão ao peito, sobre a esquerda. Alguns dizem que é para compôr o negro que a farda; outros que é a decência da viuvez; alguns, dizem que deixou de falar e procura o som da voz no toque do coração.


Só ela sabe porque o faz. Fala com ele, conta-lhe que o adormeceu para se poupar à vida. Um dia destes quando se reencontrarem desperta-o, dá-lhe um calor mais forte e o coração acorda.

ENSAIOS



Treina afectos, ensina o coração a proteger e cuidar, cativa atenção de quem quer bem, a quem quer bem.


Um dia vai lembrar desses momentos em que apertava a boneca junto ao peito e lhe contava segredos.


[Gosto muito de ti]


Um dia vai contar a quem vier a seguir esses segredos guardados para que possam repetir os abraços e os aconchegos junto ao peito.


Treina afectos...

UM BOCADINHO...





Toca para mim, por favor.


Diz que essa música tão batida foi feita a pensar em mim. E mesmo que seja mentira, não faz mal... É sempre um bocadinho só minha porque vem das tuas mãos.

LEQUE DE MÃOS


Das minhas mãos há o segredo de desfazer pedras nas palavras que se escondem por detrás do coração. Há o poder de desenhar sentidos de cada vez que vejo chuva, sinto o sol e aspiro noites brancas na tentação de folhas igual. Há a magia de desvendar nuvens, bichos e outras manias que tenho em ver o que não há. Há afagos. Há dores e amores. Há outras mãos. Há mãos, tantas mãos como leques que se abrem.

OS DANÇARINOS (DE BOTERO)



Tocou-lhe ao de leve nas costas da mão, ela ergueu-se num sorriso, bambolearam-se os dois até ao centro do salão e mal a música atacou, ele firme deitou-lhe os braços à cinta, encaixou as pernas nela e corpos apertados foram embebendo segredos num e noutro ao ritmo da sanfona tão gorda e luzidia quanto a luz que os inebriava e fazía deles o mais belo par da noite.

A MAGIA DE UM ABRAÇO



Se nos tocarmos abraçamos linhas, sentimos calor, trocamos segredos, unimos correntes, beijamos na ponta dos dedos.

Então, porque fugimos desse abraço?

OPUS



Toca a minha música.


Sente-me. Aprende-me.


Faz de nós uma ópera na ponta dos teus dedos.

SENHOR DO (MEU) OLHAR



Não me tocais, Senhor, que de mal fico perante outros olhos que da maldade fazem uso! Não me tocais Senhor, deixai-me fiar no vosso desvelo linhos que se desprendem do tanto eu suspeitar-vos mor do que amigo! Ai, Senhor... se chegais perto, tão perto de meu querer que olhos virão outros a ser que não os vossos, Senhor, na ânsia de me terdes?

AS DUAS FACES


Solenemente estendíam-se, amparavam, davam carinho e batíam palmas. De outras vezes estalavam no ar o vermelho da raiva, do castigo condenado nas imperfeições.
Descobriu-lhes o poder.
De amar e de punir.
Com a mesma intensidade, com o mesmo gesto levado.