DO TOQUE DE LUXO

 

 
Não é porque o corpo ganha anos que o toque se esquece de verdes sentires, tudo nos nervosos terminais da polpa dos dedos ao cérebro tem a dimensão do imaginário que é o veículo mais veloz e moderno, capaz de acompanhar a engelha dos tempos mas ultrapassar passados e presente à medida do lembrar. Apenas se escolhe nada dizer. Saboreia-se maciamente a sensação de luxo.
 

A ESCOLHA

 
 
 
Sentiu-se encolher, a pele da barriga a mirrar como se sugasse para dentro todas a miudezas, o sexo, a vontade que se cria quando se dá um salto e se faz força no ventre contraindo, tudo se lhe minguava, até as lágrimas que forçava apertando os olhos, para deitar para fora e expelir como um veneno picado, duas forças batendo-se de frente uma contra a outra, caindo e insistentemente erguendo-se para retomar o confronto. Sentiu-se cansada. Sentiu-se pequena, a desaparecer na vontade de não ter vontade de ser, de ser apenas uma coisa tomada como uma coisa qualquer posta num cómodo, sem uso, sem toque de ninguém a não ser para espanar o pó. Fundiu-se mimetizando-se e nunca mais ninguém soube dela. Mas ela ouve-os e vê-os, simplesmente escolheu não ser tocada pela dor.

PARCERIAS

 

 
Distintas uma da outra mas tão gémeas na semelhança como necessárias, enroscaram-se como duas serpentes em ritual de acasalamento. Retorceram-se. voltearam e depois independentes como se nunca houveram tomado conhecimento, seguiram em caminhos paralelos mas sempre distintos, uma à esquerda e a outra na direita para logo em instantes de aflição se reconhecerem na irmandade.

CORPOS DE BAILE

 

 
Ajeitaram-se corpo a corpo como se não tivessem peso, a roupa a deslizar na seda do movimento compassado pela música e o toque dos dedos na cegueira do inato desejo. Uma volta, duas, borboleta doida à volta da luz mesmo sabendo que a morte queima na aproximação do que se exala como tóxico na pele que se adivinha em asas que se despem. Talvez a música fosse a droga, ou o cheiro do cómodo já velho de outros que assistira na mesma ânsia de afagos na alma enganando actores a acharem-se dançarinos apaixonados pela arte, talvez fosse cousa mais simples como dois procurando a mão quente, o silêncio de folga, o reflexo outrem que não a sombra própria.

ACTO ÚNICO

 


Tocaram-se como homem e mulher
Tiveram-se como deuses
Inventaram a palavra
Disseram silêncio

SURREALISTA

 


Toca-me sentidamente na profundidade da ressonância do emotivo capital
 
Dancemos
 
Surrealisticamente
 
no corpo entranhado que se esquece de ser corpo para se dar ao som dos silêncios batidos no ritmo do passo oferecido
 
 
toque
toca-me
 
 

EM SEGREDO

 


Tomou-o nos braços. Sentiu-lhe a macieza da pelagem entre os dedos, pequenos montes de gordura pelas guloseimas fora de refeição, o agrado do quente junto ao seu peito, à barriga. Ajeitou-o mais a si e encostou o rosto ao focinho húmido, um ronronar devolvido tirou-lhe um sorriso silencioso, afagou-o na retribuição do momento de paz e entrega. Segredou-lhe amo-te no pêlo farto e sedoso e o gato anichou-se ao pescoço dela. Há muito tempo que ninguém a abraça, há tanto tempo que ninguém lhe respira sobre o peito, lhe responde quando profere palavras em segredo.

SEJAMOS

 

 
Sejamos mito, estrela cadente, ascendente, fotografia, poster de adolescente, abraço imitado, orgia inventada, conceito em divã de análise, sejamos dois, sejamos um só, e depois cada um por si quando desfeitos desta condição de precisados da pele unida e amassada de cozinhada na condição de amantes e até sublimados naqueles que adivinhos nunca saibam por que passámos até desligar o que sentimos no verdadeiro amor de um simples abraçar da despedida.
 

PODE CORROMPER

 


Apertados. Colados como siameses ou defeituosos pela intromissão de um no outro, o outro dentro de um e este mimetizado de outro, uma amálgama incompreensível e desajeitada, descomposta, pele sobre pele, depois uma só pele fundida de tão acariciada plasmada em derme única, beijo engolido de boca, de tactos vertidos para dentro de um só coração. Apertados e em uníssono. Incompreensível como o toque pode corromper.
 

VIDA &MORTE DE UM AFAGO

 


No abraço aqueceram-lhe o coração, fizeram esquecer as saudades de casa, dos rostos de aconchego. Trouxeram novos rumos à pele que se arrepiou a portos inseguros desvairados de tempestades por conhecer na descoberta do amor. Amores. Tactos da loucura em olhos cerrados entregues na confiança do saber. Querer. Saber. Ficar e construír. Nos abraços que deu aqueceu corações que de si saíram, um, outros, outros, o seu maduro e calmo até soprado como a chama de uma vela se cerrar como olhos à descoberta de outro tacto. Tactos em eterna presença. Por quem dela nunca esqueceu.
 

PERTO E AUSENTE

 


Lembro-me do gesto. De quando estavas perto de mim e te encolhías na procura do encaixe do meu corpo, braços justos ao tronco no encosto do meu, vinhas e apertava-te ao calor junto, uma fusão instantânea como um cadinho dourado. Depois entrelaçava os meus braços nas tuas costas e no teu pescoço e assim ficávamos no silêncio sem que a respiração se escutasse, podíamos estar mortos, que só por dentro nos sabíamos correr na loucura de qualquer coisa que nem sequer sabíamos como pôr um nome.
Lembro-me do gesto. Mas não me lembro como deixaste de estar perto.

A ALMA DA PELE



Repousa em mim o teu perfume, o teu querer, os teus sonhos, deixa que eu cuide e guarde do teu corpo, a alma essa deixa-a livre para onde quiser ir, que a amo tão profundamente que nunca tería a pretensão de a querer para mim. Basta a comunhão de sermos um quando a pele fala e se difunde no toque, calando o silêncio.