AS DUAS A UM TEMPO

 

 
Faço-te para que me faças, para que me seduzas e toques, me ensines e me recuses, me ampares e dirijas, me dês a direita da esquerda, a seda do algodão, o soco do afago, o punho contra a palma, universos.
Porque afinal tudo são opostos, até as nossas mãos e das duas convivemos na absoluta necessidade de as termos junto ao peito, um dia em cruz.

DO CORAÇÃO

 


Suspirou.
Fechou os olhos e suspirou, depois folheou rapidamente o livro terminado como se o gesto acrescentasse mais história.
Fechou o livro.
Passou-lhe a palma macia e vagarosamente, um animal de estimação a quem se quer muito bem, tanto e tão bem como se fora família.
 
 

ALCANÇAR

 

 
Não importa a pele do corpo se a nudez da alma é intocável
 
 

MÚSICAS DO PEITO

 


Depois que todos saíram o cómodo entregou-se ao silêncio dos fumos fumados, ao vazio das cadeiras desarrumadas, dos copos esquecidos pelo resto das bebidas consumidas.
O artista, cansado, agarrou a sua viola e acariciou a madeira polida perdendo o olhar, sentou-se num canto ainda quente de alguém que partira apressado. Maquinalmente, calcou as cordas, mas sem tirar com a outra mão vibração alguma, deixou-se ficar a escutar dentro do seu peito o toque dos seus dedos nas linhas de aço.

PAR[ES]

 

 
Fosse da seda do robe ou da solidão que instantaneamente lhe caiu desde os cabelos aos pés nús, a imagem do espelho que a reflectía em tudo a devería animar, a beleza de uma tez pálida sem imperfeições porém, não lhe trouxe calor que a animasse e o fundo do cómodo também projectado a par consigo parecía ainda maior, crescendo a sensação de solidão.
Deu as mãos, tão suaves como a seda do robe, tão frias como o isolamento de não ter outro par que as tomasse nas suas e as aquecesse.