Um dia toco o vácuo e faço castelos. Do que não se vê faço beijos. Do que respiro faço danças. Um dia invento o palco. Depois chamo-te para junto de mim para que sintas o algodão do meu corpo.
CONTA-ME UMA HISTÓRIA

Dá-me palavras, conta-me uma história, acende a minha imaginação e leva-me nos sonhos bons em que tudo pode acontecer, viagens de encanto e aventura, tempestades de estrelas e mares de areia quente, conta-me tudo enquanto sou pequenino.
E depois dá-me um beijo, aconchega-me a roupa e toca-me com as tuas mãos no rosto para eu ter certeza de que não é mais uma história. Boa noite.
O PINTOR

DANCEMOS

Dancemos. A sala é nossa nos passos corridos que acompanham os teus, os folhos da minha saia brincam no frou-frou do jive com o verniz dos teus sapatos. Dancemos. Brindemos a musica ao ritmo dos sorrisos no compasso atinado da tua mão na minha cintura. Dancemos. Romper no pó dos tempos a mão que se ata em duas e confia no volteio agitado o que esta sala não comporta.
ANDA, VEM COMIGO ATÉ AO FUTURO

Entre o que sou e o que hei-de gasta pelo tempo vir a tornar-me há a continuidade entre o que nasci e o que hei-de morrer. Seguro viveres todos meus, alguns ao presente, outros recordados e ainda os que adivinho. Serena. Não quero perder de mim a vontade de ser feliz até à última gota nem quero deixar-me guiar pelo cinzento do coração. Afinal todas as cores são precisas e até o toque da mão fria se pode amornar pelo sorriso e incendiar pelo beijo. Por isso amparo dentro de mim todas as mãos que conheci e ainda aquelas que adivinho hão-de tomar as minhas, apertá-las e dizer vem comigo.
NÓS COMPLETOS

Agarrou todos os pedacinhos de felicidade que tivera, fechou-os na mão. Na outra, as desilusões, as tristezas, a dor grande e a dor pequenina, o adeus. Reparou então que cada uma das mãos se enchía de igual, nem mais para uma nem menos na outra. Juntou as palmas, abraçou os dedos da direita na esquerda e moldou a vida.
GUETOS

Tocam-me as pedras na solidão dos cantos dos porquês, pergunto mais e nada me dizem, afagam-me frios na incongruência da humanidade apertando contra mim mesma o inventar de mãos dadas, coisa minha que imagino, coisa que sonho um dia. Um dia os homens dão as mãos e a diferença será uma estátua de pedra.
DEFESAS

Para defender o ouro deixou crescer uma carapaça espinhuda e irregular, com vários tons que desconfiassem aos olhos da sua maturidade e sabor. Quem lhe tocasse sentía na polpa das mãos o que protegía na polpa do alimento. Era quase como um aperto numa mão áspera cheia de calos. Porém tão franca e calorosa.
CHEGAR (MUITO) PERTO

De todas as vezes que te escrever hei-de chegar perto de ti, sem pontos finais nem com muitas vírgulas para não ficar arfante na saudade que sacio em palavras que encarreiro muito bem desenhadas, para que do gosto delas tires também o sorriso da brincadeira na mão que segura a caneta e te toca o peito no lado do coração.
COMO UM CARDO

Nem tudo o que nos repele o toque é desagradável.
Este cardo por exemplo... Em verde, adicionado ao leite fervente faz queijo fresco e requeijão; seco, afasta insectos; dos seus espinhos retira-se o melhor crivador de uma bordadeira; e se tocarmos no seu núcleo sentimos o toque do algodão.
Tal como os outros.
Os outros são sempre os outros.
Mas saberemos nós deles?
Das suas qualidades?
Dos seus carinhos?
NATURA

Ainda a bruma molhava caminhos no despertar do dia, escorregava a luz entre pinheiros e fetos, a passarada soltava a alegria nos voos pequenos e curtos da busca de comida. Rasgou o carreiro por onde sempre passava, afundado entre margens fofas de erva brilhante que lhe molhavam as pernas das calças. Aqui e ali, um cogumelo parasita à sombra de um gigante atirado ao céu. Gostava de árvores, do seu silêncio robusto, da sua folhagem gemida entre ventanias assobiadas ou apenas da sombra acariciadora do regresso escaldante. Abraçou o tronco do pinheiro, a resina peganhenta aderiu ao seu rosto, afagou a casca áspera, muito castanha e sangrenta no golpe. E sob as mãos calejadas sentiu-se feliz como se o rugoso se tratasse de um veludo que todo o cobría até à alma.
O TOQUE DAS PALAVRAS
AGILIDADE
DEFINIÇÕES

As mãos têm histórias de vidas marcadas em cada linha, alto, calo, curva, saliência, golpe. Nas palmas encontramos junto todas essas aventuras que percorrem o tempo. No punho as batalhas e as determinações. Nos dedos o caminho a seguir, as artes, o compromisso. Na mão estendida o dar. Na mão em garra o medo e a defesa. Nas duas mãos estrelaçadas o embalo e a segurança. E também das mãos se fazem amor, castigo, bichos e se diz adeus marcando uma nova linha na saudade.
ARTIFICIAL
ESTÁTUA

Imóvel, deixava-se estar na posição dos que esperam sempre alguma coisa, algum gesto, alguma intenção. Mesmo que quisesse nada mais podía fazer, presa a um mármore intemporal que a mantinha bela mas solitariamente perdida na admiração dos que passavam.
Só quando alguém lhe tocava afagando-lhe os anos torneados no escopro e cinzel as mãos lhe aquecíam e pequenos corações palpitavam na ponta dos dedos frios. Pensava então que era humana...
OUTROS TACTOS
SE

Já pensaram se nada sentissemos?
Se na ponta dos dedos mil filamentos nervosos não existissem e levassem ao cérebro as sensações que nos passam rugosas, ásperas, macias, polposas?
E como saberíamos do quente e do frio? Do Verão e do Inverno?
Se estivéssemos apaixonados sería indiferente passar a mão no rosto de alguém ou até sentir o baquear mais agitado depois de um longo beijo cheio de paixão... simplesmente deixávamos as mãos à deriva dentro dos bolsos.
E nestes? Como saber que estavam furados e perdemos a chave de casa, agora sem regresso e entrada possíveis, o nosso aconchego, a chávena de café entre mãos a esquecer o dia mau ou a madrugada mal dormida...
Uma madrugada cheia de pesadelos. Cheia de sonhos em que as mãos não tinham tacto...
DA TERRA

Agachou-se. Sorriu e apanhou a ambas mãos um punhado grado de terra. Depois cheirou-a. Muito perto do nariz e da boca, um farelo de terra castanha colou-se-lhe aos lábios húmidos, lambeu-se, fechou os olhos, ergueu o queixo ao céu e deixou escapar um ahhhhhh longo e baixo.
Apertou-a contra si, no peito, esfregou o quadriculado da camisa, segurou a que restava entre os dedos.
- Que fazes homem? Olha que te sujas!
Ele riu. Depois deixou escapar à brisa morna da primavera a poalha de terra. Ficou a vê-la tombar, a mais fina a esvoaçar levada para outros campos.
- É preciso cuidar dela, amá-la. Um dia há-de cobrir-me e quero que me seja leve.
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