MENTIRINHAS



Falava, falava muito, apontava-lhe os descuidos e as faltas, de vez em quando o dedo em riste na direcção do nariz ou do peito ressaltando promessas antigas e falhadas, o coração como mira da acusação.


Ela de vez em quando abría a boca, sumidinha na mentira pequena, deixava ir, cada vez mais imaginativa na desculpa corada...


Nessas alturas escondía as mãos, dobrava o dedo médio por cima do indicador e prometía-se a si mesma ser a última das grandes mentiras.


Aliás, desde que cruzasse os dedos sentía-se redimida e desta forma, uma mentirinha, pequenininha que fosse, castigo algum merecería...

APERTO DE MÃO



E TU?




Como é o teu "PASSOU BEM"???

FAMINTA


De palavras encheu-se... mais não, chegou... faltou o toque do algodão.

REPOUSO




Dobro-me para sentir de mim todo o pedaço de pele que me veste e cobre de outros olhares, indiscrições sobre a essência dos segredos navegados.


Verto-me para ouvir de mim todo o pedaço de pele que já sentiu caricias e ardores, deu-se em amor, paixão, madrugadas de despedidas.


Tombo-me para aprender de mim todo o pedaço de pele que traz o teu nome.

SABEDORIA


Mãos cheias, plenas, sábias, doridas, sentidas, carinhosas, caridosas, mãos cheias de vidas de tactos, de afagos, de penas, de acenos, mãos que repousam sobre linhas desvendadas pelo tempo nas mãos de outros também.

MÃOS QUE VOAM


No gesto elevado suave e contido, alteiam as mãos, dedos que apontam céus imaginários na leveza do movimento, etereamente, voláteis como os sonhos, alados como os sentidos.

HISTÓRIAS DE PAPEL


Conta-me uma história, e ele fazía barcos de papel, os dedos aprumados nos vincos que delimitavam o casco, muito direitos, muito marcados não fossem naufragar e o herói inventado afundar-se no enredo prosseguido à velocidade da imaginação. Das mãos lá nascía um navio, vela hasteada, no relato desfraldada a desventuras e engenhos, imitava o navegar, ora acima ora abaixo, a pique dizía perigos e no final da aventura coroava a cabeça pequenina do ouvinte com o chapéu de comandante que até aí fora nau.

O ABRAÇO


Rodeia-me, aperta-me, cinge-me.
Sente a força das tuas mãos ao toque do abraço, transfusão de sentires.

O DONO DO TEMPO


Os olhos afiados como uma lâmina, atento, pronto para o ataque, as mãos empunhando a vontade de decepar qualquer um na tentativa de lhe tirarem o que de seu fazía. Aprendera que do tempo só ele era dono e agora, no fim inadiável ainda dizía não, mostrava as mãos na recusa de ser levado, de ser tomado naquilo que toda a vida levara no custo a dosear, a saborear para perdurar. Não se entregaría tão facilmente, antes disso ainda cortaría dois ou três ou quantos fossem preciso para lhe escutar o grito rouco e preso. Quando sentiu que nada mais conseguía fazer ele próprio tomou para si o destino de se despedir e justiceiro cumpriu por suas mãos o acto último da sua vida.

O LIVRO

Com carinho, agarra-me, toca-me, abre-me, desvenda quantos poderes te entram nas mãos,

quantos mares e terras conquistados nos dedos que folheiam páginas de vidas, da vida do seu autor.

COÇAR


Tentou alcançar aquele ardor, aquele incómodo tremendo que lhe impedía a verticalidade. Deitou mãos às costas e sentiu de raspão que qualquer coisa se rompía, um rasgão talvez, não estava certo do quê, esticava os braços mais, mais um pouco, ainda um esforço último para atingir mais além o que não vía. Nada, não chegava lá. E aquela comichão violenta que parecía borbulhar de dentro cada vez mais intensa, quase a levá-lo à loucura. Mão, mãos, pensou em muitas mãos a raspar aquele pedaço de pele e no alívio que sentiría pelos dedos hirtos a atirarem-se fortes contra aquela raiva contida...

ASAS


Mãos feridas, sonhos quebrados, vozes caladas, afagos perdidos.

DEFINIÇÕES






As Mãos São Ferramentas da Arte.


As Mãos São Livros Com Páginas Por Descobrir.


As Mãos São O Pão do Tocar.


As Mãos São Poetas de Algodão.

CAMINHOS

A tua mão ensinou-me a andar. Agarrou-me nas quedas, amparou-me nas hesitações.








A tua mão enxugou-me as lágrimas no primeiro desgosto de amor. Apontou-me os enganos e indicou-me o coração no peito.


Deixa-me segurar a tua mão, passar o calor da minha agora que está fria.

FRUTOS PROIBIDOS


A pele é uma estrada luminosa que faísca outros sentidos.
Tocar, sentir-lhe o morno, o húmido, arrepiá-la pelo toque de outra pele, desejar ser a pele de, saber o caminho da pele, aspirar o aroma singular sob o medo e a dor, o extase do prazer.
A pele é um mapa que em cada poro tem um X do tesouro.

A PIANISTA



Ela tocava e ninguém a ouvía. Dedilhava anos, estórias e enganos, saudade de casa, saudades de amores, choros vertidos a branco e negro nas teclas marcadas algumas a medo. Ela tocava e ninguém a ouvía. Das mãos tortas e doridas desvendava enredos, beijos escondidos, saborosos e secretos, saudades de saudades e juventude também, agora que é velha não interessa a ninguém. Ela parou e toda a gente se calou.

DAR



Ofereces-me a tua mão.


Não há nada na tua mão para além do dar da tua mão.


E por isso há rosas.

O PESADELO





E de repente a queda.

Não se atreveu a abrir os olhos, deixou-se ficar naquele soluço descompassado em que todo o corpo se ouve no bater do coração.

Abraçou-se, sentiu seios, braços, tronco e até a veia no pescoço a latejar sob a pele húmida de suor. Estava inteira, conseguía mover-se, tentou encontrar alguma dor mas só o susto ainda lhe ardía no pesadelo que lhe estremecera alguns minutos na vertigem desamparada dos sonhos maus.

Agarrou a terra ao redor, apertou-a muito, cravou-lhe as unhas e sentiu-se feliz de estar viva.

SENTE EM MIM

Como dói a solidão de me tocar para
sentir

Vida...

TOQUE DE MIDAS



Prendes-me, manietas-me.

Que podes tu contra o que eu penso?

Ser livre é tocar o mundo que há dentro de nós.

Ser grande é tocar letras como amores que se colhem.

TOMBO POESIAS


Tombo minhas mãos. Não faço mais desenhos, não desenho mais pássaros nos dedos. Não faço amor no afago suave do toque do rosto. Não sinto mais calor, mais frio, mais armas que possa empunhar na guerra perdida contra a saudade. Não escrevo mais. Poesia, nunca mais.

MOSTRA-ME


Está na altura de me ensinares que forma tem o coração

ATA-ME



Ata-me, prende-me, acorrenta esta vontade! A loucura dedilha-se no tecido do meu corpo, ardo na saliva com que embebo sentidos de te sentir, desejo de morte, asfixia, ata-me, prende-me, acorrenta esta vontade que me toques como caricia total na concha da tua mão, ata-me, prende-me, afaga-me, acalma o meu lume.

PARA ALÉM DE...



Tentacularmente perdemo-nos em mil bocas de tactos sugadores de todos os sentidos, alerta faz-se na ponta dos digitos, pulsos ainda mais abertos na veia pululante, contagem de dedos, poucos para chegar lá dentro.

DO TOQUE DA ROSA

=SENTE-ME=




e A FLOR FEZ-SE ROSA

PERFEIÇÕES


A leveza do toque é uma impressão que acaba por marcar a fogo pequenos pedaços de pele que se renovam no arrepio e no dilatar de poros minúsculos que se abrem e fecham como anémonas beijadas pelo mar.
A leveza do meu toque é o peso certo na tua medida do sentir, equilibrios perfeitos, céu e terra que se unem e repelem para voltar a atacar-se na união destinada.

ENVOLVÊNCIA


Sinto-te.
À minha volta, a meu redor a girar, por cima de mim a agasalhar, por dentro de mim a acasalar, a envolver-me como pele do meu sentir.
Sinto-me.
À tua volta como pele de mim.

SENTIR



TOCA-ME

ANTES QUE ME TRANSFORME EM TELA DE MUSEU

MAIS ALÉM




Tocarpalavrasnoinfinitodo verboquedeslizoentrelinhasde afectoscomoimpressões digitais.

ARREPIO


As minhas mãos conhecem mais estradas que os meus pés. Se te tocar outras ainda se mostrarão.
Arrepio